1. Na final da supertaça masculina de Andebol que decorreu em Serpa, gostei de ver na final a convivência de alguns adeptos de um clube no meio da bancada destinada ao outro clube. com fair play, respeito, tolerância e desportivismo.
Estávamos a falar de uma final entre dois clubes que lutam sempre pelo melhor lugar. Foi um exemplo de fair play desportivo, de respeito pelo outro e pela diferença, ainda por cima com crianças envolvidas. Sem qualquer problema.
Um jogo de 60 minutos, com dois prolongamentos de 10 cada e tudo a decorrer, naquelas bancadas, como deve acontecer. Cada adepto a defender e a puxar pela sua equipa, dando um colorido e uma sonoridade especial e, no final, vence uma delas. Há festa para um lado, desilusão para o outro. O normal. Isto é a prova que é possível acontecer e deve ser a regra sem exceção.
Nas últimas semanas fomos assistindo a algumas situações em estádios de futebol, envolvendo até crianças, que não deviam acontecer. Deviam ser ocorrências afastadas do desporto. Não me interessa o clube, ou os clubes, as preferências clubísticas, o estádio ou os estádios. Embora devamos sempre acompanhar e cumprir regulamentos aprovados, isso para esta questão tem uma importância relativa. A lei do bom senso, da educação, da civilidade deve imperar. É difícil? Até talvez seja, mas um país como o nosso não pode aceitar que um adepto, uma família, crianças e jovens, tenham medo de se deslocar a um estádio para ter 90 minutos de diversão.
Sei que Desmond Morris em “A Tribo do Futebol” retrato de forma magistral algumas das vivências que vamos assistindo, aplicando noções da psicologia de grupo.
É uma aqui, é outra ali, são várias as situações de intolerância no desporto que temos de combater. Não quero o Desporto em Portugal palco das frustrações de alguns, que usam o fim de semana para se “vingarem” da semana ou dos problemas da que se avizinha.
Temos de olhar para o desporto como um espaço de partilha, de diversão, de sentido de pertença, e não de uma guerrilha permanente. Esta realidade arrisca a matar o desporto, tal como o conhecemos.
A responsabilidade é vasta que passa por alguns adeptos, dirigentes, treinadores, comunicação social, redes socias, os pais e a Escola. Há uma incapacidade em aceitar o erro, parabenizar o adversário, aceitar responsabilidades próprias. Há alguns adeptos que não podem estar nos espaços desportivos – o seu comportamento vai contra as regras mínimas de convivência humana e, portanto, não podem ser bem-vindos ao desporto. Os dirigentes, como representantes dos clubes, defendo as suas cores, têm de ter os “nervos de aço” para não atirar “gasolina para a fogueira”, devendo liderar, liderando. Os treinadores nas suas diversas declarações à imprensa devem ser capazes de resistir ao mais fácil e ter uma atitude respeitável e civilizada. A comunicação social deve evitar exponenciar o que está errado e dar exemplos extraordinários do que o desporto está a fazer.
Por vezes uma “greve de audiência” a alguns programas, seria higiénica e precursora de um outro caminho mais positivo. Os pais têm também uma responsabilidade em incutir aos filhos valores e princípios que estão no desporto e longe de outras realidades pouco recomendáveis. Fair play e desportivismo devia ser uma matéria obrigatória na escola. Se defendemos que a escola é o palco da construção de uma democracia ativa, também deve ter aqui um papel ativo, através da tolerância, do respeito pela diferença no desporto, pela inclusão de todos.
Estamos a começar uma época desportiva e este é o momento certo para uma reflexão de todos os agentes desportivos. Em nome da defesa e do futuro do desporto de alta competição.
2. Na semana passada participei na Sport Integrity Week 2022, numa conferência organizada pela SIGA - Sport Integrity Global Alliance, que teve lugar na Nova SBE em Cascais.
Um encontro de responsáveis e players mundial com preocupações na defesa da integridade no desporto, no combate ao match fixing, manipulação de resultados e pela defesa da verdade desportiva.
Na minha curta intervenção deixei uma frase em jeito de desafio: “a luta pela integridade e pela verdade desportiva está para o Desporto, como a luta contra as alterações climatéricas está para o futuro do nosso planeta”.
Todos estaremos hoje de acordo que a defesa da Terra passa pela atitude de cada um e de todos no seu conjunto, mas a defesa e a salvaguarda do Desporto, como o conhecemos, está também ligada como lutamos pela integridade desportiva.
As alterações climáticas e a integridade no desporto são processos que passam por cada um de nós, mas que se não forem combatidos numa batalha que tem de ser ganha sem hesitações, terão consequências dramáticas para a nossa vida futura.
Na Federação de Andebol existe um grupo de trabalho, um ponto de contacto, que monitoriza e acompanha estas matérias, para além dos órgãos internos próprios e participamos em encontros internacionais ao mais alto nível de instituições que acompanham estas matérias.
Há três áreas críticas e que merecem o nosso acompanhamento atento: igualdade e não discriminação, antidoping e integridade.
Temos desenvolvido nos últimos anos, um trabalho com a cooperação e apoio do Comité Olímpico de Portugal (COP), nomeadamente ao nível dos jovens jogadores e treinadores. O programa “Ser Portugal” aplicado nos estágios das seleções mais jovens, engloba diversos temas como integridade no Desporto, representação do País, nutrição ou redes sociais.
Muitas entidades e Federações estão a fazer um trabalho neste âmbito, mas há uma certeza que eu tenho: é algo que temos de continuar a fazer e nunca nos devemos dar por satisfeitos.
Artigo publicado no Desportivo Guimarães
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