Quarta-Feira, 12 de Agosto de 2020
Quarta-Feira, 12 de Agosto de 2020 ©Sporting CP
Lisboa vai voltar a fazer história no futebol quando, esta quarta-feira, começar a receber uma inédita fase final da UEFA Champions League, 65 anos depois de a capital portuguesa ter sido palco do primeiro jogo de sempre da Taça dos Clubes Campeões Europeus.
Os ventos da mudança varreram o futebol quando, a 4 de Setembro de 1955, se fez história por ocasião do primeiro jogo de sempre das competições de clubes da UEFA.
Há quase 65 anos, Sporting e Partizan defrontaram-se no Estádio Nacional, arredores de Lisboa, numa partida marcada por ventos em sentido bem mais literal e tornaram-se nos pioneiros da recém-criada Taça dos Clubes Campeões Europeus.
Tarde de sol e vento no Jamor
A participação das equipas na edição inaugural da prova, precursora da UEFA Champions League, foi feita por convite e o debutar aconteceu numa solarenga tarde de domingo. Com o Estádio José Alvalade ainda em construção (seria inaugurado cerca de nove meses depois, a 10 de Junho de 1956), o Sporting recebeu o ilustre adversário da Jugoslávia na “sala de visitas do futebol lusitano”, o Estádio Nacional. Situado no vale do Jamor, o local, para quem conhece, é dado a ventaneira – e os elementos haveriam de adicionar àquele dia alguma dose de imprevisibilidade ao que, já de si, era um passo rumo ao desconhecido.
Tanto a equipa da casa como a forasteira tiveram de enfrentar o vento adverso. Escolhidos para estrear a competição, apesar de terem terminado o campeonato anterior no terceiro lugar, os “leões”, contudo, tinham sido a força recente dominante em Portugal. Sete títulos conquistados em oito temporadas entre 1947 e 1954 – incluindo quatro seguidos a partir de 1950/51, situação inédita entre portas – atestavam bem o facto, em grande parte obra dos feitos notáveis dessa lendária linha avançada que ficou para a história como “Os Cinco Violinos
Desse quinteto, do qual faziam parte Fernando Peyroteo, Jesus Correia, Albano Pereira, Manuel Vasques e José Travassos, os dois últimos ainda estavam no clube. Ao contrário do adversário, o Sporting defrontou o Partizan ainda sem qualquer jogo oficial realizado na época de 1955/56. Além disso, os jugoslavos possuíam vários internacionais experientes na equipa – muitos deles medalhados de prata no torneio de futebol dos Jogos Olímpicos de Helsínquia, em 1952, e também participantes no Mundial de 1954.
Milhares de sportinguistas partiram então em romaria até ao Jamor para ver os insignes convidados, com nomes como Branko Zebec, Bruno Belin, Stjepan Bobek e Miloš Milutinović. Ao invés, o “cérebro” Zlatko Čajkovski não estava presente devido a compromissos estudantis.
O apito inicial deu-se às 17h00 e logo o Partizan esteve perto de inaugurar o marcador. Bobek apareceu sozinho frente ao guarda-redes do Sporting, Carlos Gomes, mas o remate saiu por alto. Desperdício soberano do avançado jugoslavo e a honra de ser o primeiro marcador numa competição de clubes da UEFA esfumada. Pouco depois, aos 14 minutos, João Martins não falhou.
Vasques ganhou o duelo com Zebec, a bola sobrou para João Martins e o remate do dianteiro dos “leões” fez a equipa de Alejandro Scopelli adiantar-se na contenda. O revés revelou-se ainda pior para o Partizan: Zebec lesionou-se no joelho esquerdo na jogada e, num tempo em que ainda não eram permitidas substituições, pouco mais fez do que ser espectador virtual privilegiado da partida no relvado.
“Foi azar que Zebec se tivesse magoado, pois do lance resultou o primeiro golo que sofremos e esses dois factos juntos enervaram-nos”, afirmou depois do encontro o dianteiro do Partizan, Prvoslav Mihajlović. O treinador Aleksandar Tomašević teve de agir rapidamente e mudou Zebec para o flanco esquerdo, onde incomodava menos, ao passo que Belin trocou a posição de lateral-direito pelo centro de defesa e Anton Herceg mudou de extremo esquerdo para o lado oposto.
E as mudanças resultaram, pois não só Milutinović igualou a peleja, em cima do intervalo, como também pôs os visitantes no comando pouco depois do reatamento. “O segundo golo que sofremos nasceu duma grande infelicidade minha”, lamentou o capitão do Sporting, Manuel Passos, queixando-se das condições atmosféricas. “A bola, tocada pelo vento, enganou-me passando ao lado do corpo.”
Segunda parte frenética
Mas a partida estava longe de terminar e os “leões” empataram através de Quim, jovem avançado de 19 anos em estreia oficial pelo clube. Bobek voltou a dar vantagem aos “alvi-negros” a 17 minutos do fim, só que a derradeira palavra, numa segunda parte frenética em termos de incerteza, teve-a o anfitrião: Martins aproveitou da melhor maneira um excelente passe de Quim por entre a defesa contrária e fixou o resultado em 3-3.
“O futebol praticado foi prejudicado pela forte ventania que se fez sentir”, salientou Travassos, embora tivesse sido lesto a admitir a “categoria” dos comandados de Tomašević. “O Partizan é uma das melhores equipas que têm vindo até cá”, acrescentou Passos, enquanto ambos os lados sentiram que deviam ter saído vitoriosos – provando que certas coisas nunca mudam.
“Em Belgrado devemos ganhar bem”, garantiu Bobek. E, infelizmente para o Sporting, não se enganou porque quatro golos de Milutinović ajudaram o Partizan a vencer a segunda mão, por 5-2, passadas cerca de cinco semanas, a 12 de Outubro. O Sporting ficou pelo caminho e o triunfo permitiu ao visitante defrontar o Real Madrid, mais tarde vencedor da prova e apurado apesar da derrota por 3-0 na Jugoslávia, uma vez que ganhara por quatro golos sem resposta na capital espanhola.
Taça dos Campeões: o sol a começar a nascer
A competição arrancou de vento em poupa com as duas equipas pioneiras a ensaiarem um pouco do que estava para vir. Embora a principal prova de clubes da Europa tenha evoluído muito desde então, Sporting e Partizan sabiam que tinham acabado de participar em algo especial. Após o encontro, reuniram-se à noite num jantar de confraternização no restaurante Pôr-do-Sol, na Feira Popular, em Lisboa, tendo ainda uma delegação visitado a sede dos "verde-e-brancos" no nº86 da Rua do Passadiço, no centro da cidade. Para os jogadores, terminara somente mais um dia épico de trabalho. Para a Taça dos Campeões, o sol estava apenas a começar a nascer.
Sporting 3-3 Partizan
(Martins 14, 78, Quim 65; Milutinović 45, 50, Bobek 73
Sporting 3-3 Partizan (Martins 14, 78, Quim 65; Milutinović 45, 50, Bobek 73
Estádio Nacional, Oeiras, Lisboa
4 de Setembro de 1955
17h00 (GMT)
Sporting: Carlos Gomes, Manuel Caldeira, João Galaz, Armando Barros, Manuel Passos (cap), Juca, Hugo Sarmento, Manuel Vasques, João Martins, José Travassos, Quim.
Partizan: Slavko Stojanović; Bruno Belin, Čedomir Lazarević, Ranko Borozan, Branko Zebec, Božidar Pajević, Prvoslav Mihajlović, Miloš Milutinović, Marko Valok, Stjepan Bobek (cap), Anton Herceg.
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